Na terra da Rainha Marta, outros talentos começam a surgir no futebol feminino. Com 15 anos, Bárbara Melo já foi para a seleção brasileira sub-17; Pretinha, de 17 anos, brilhou na última Copa do Brasil, sendo uma das artilheiras, com seis gols, e também vestiu a camisa verde e amarela, pelo sub-20. A mais recente a treinar com o Brasil é Ingryd Fernanda, também de 17 anos, escolhida pelo técnico Doriva Bueno durante seletiva em Maceió, em julho. Todas elas treinam pelo clube União Desportiva.
Cristina jogou pelo Projeto Pedra Azul em Itatiba, em parceria com o Palmeiras, e agora toca o mesmo trabalho em AL (Foto: Arquivo Pessoal)
As meninas ainda estão sendo lapidadas, mas outra alagoana já trilhou sua carreira no esporte. Cristina Lopes não foi bem sucedida como Marta, sofreu uma grave contusão, que a afastou do futebol durante quatro anos, mas teve sua história de superação como atleta e hoje, aos 36 anos, é incentivadora do esporte em Alagoas, tocando o Projeto Pedra Azul, em Coruripe.
Ela conta que começou cedo no futebol. Aos cinco anos, acompanhava o irmão mais velho até os rachas no fim da tarde, para não ficar sozinha em casa. Ela pedia para jogar, mas quando começou a ficar melhor que os meninos, eles já não a queriam brincando. Natural de São Miguel dos Campos, se mudou para Coruripe e teve uma professora que notou o seu talento; foi aí que ela passou a investir no esporte. Mas as dificuldades logo começaram em casa.
- Meu irmão, na verdade, foi quem me descobriu e foi o primeiro a não querer que eu não jogasse. Minhas três irmãs me acompanham até hoje e meus dois irmãos me acompanham mais de longe. Eles me respeitam pelo que eu busquei, pelo que eu consegui através do futebol, mas eles ainda não aceitam eu estar nesse meio. Eu era enfermeira. Fui auxiliar de enfermagem, depois técnica de enfermagem, mas eu busquei o que de fato eu queria, que era ser jogadora de futebol. As pessoas quando olham para uma menina que joga futebol, elas sempre vão achar que futebol não é coisa para mulher, e eu me interessei pelo futebol justamente para quebrar esse paradigma - disse.
Com 19 anos, Cristina foi para São Paulo, para a casa de uma das irmãs. Lá, foi para uma seletiva no Santo André e não avisou a ninguém. Passou e jogava como meia esquerda. No começo, ia a pé; depois, ia de bicicleta para economizar o dinheiro da passagem. Jogou também pelo São Bernardo.
Meninas a partir dos 10 anos participam do Projeto Pedra Azul (Foto: Arquivo Pessoal/Cristina Lopes)
Pausa forçada
Cristina disputou a final do Paulista e foi campeã com a Portuguesa, em 2002, mas sofreu uma lesão grave. Rompeu um ligamento e fraturou o tornozelo - logo o esquerdo, na sua perna boa. Na época, tinha sido convocada para um amistoso da seleção brasileira, preparatório para o Mundial. Ficou de fora de uma das maiores oportunidades que poderia receber.
Só voltou a jogar em 2007. Dessa vez, mais recuada, ora como zagueira, ora como volante. E as dificuldades nunca a fizeram desistir. Inclusive, ela não manteve a relação com o futebol só como jogadora e aproveitou o esporte para investir nos estudos: fez educação física e se especializou em esportes de alto rendimento. Cristina conta que quer mais.
- Meus pais não tinham como pagar uma faculdade, entrar numa Universidade Federal é complicado, então eu estudava muito. Estudo até hoje e o futebol me proporcionou isso, eu tinha o meu desconto. Hoje eu conheço e tenho contato com grandes treinadores que estão no Brasil, aprendi bastante. Em outros países, o futebol tem evoluído, com várias treinadoras, ex jogadoras de futebol, que fazem estudo do futebol, começam a se dedicar. E eu fiz o mesmo, comecei a estudar o futebol além das quatro linhas. Não vou dizer que eu estou realizada, porque eu ainda não cheguei aonde eu quero chegar, porque pra mim, eu só vou estar feliz quando o futebol feminino no Brasil virar realidade.
De volta a Alagoas
Cristina só retornou à terra natal 12 anos depois, em 2011. Havia jogado pelo 15 de Piracicaba e em Itatiba, no Projeto Pedra Azul em parceria com o Palmeiras. Em Maceió, jogou futsal pelo Cesmac e futebol no União Desportiva, até que parou e foi treinar as meninas em Coruripe, já que foi na cidade do interior onde começou sua paixão pelo futebol. Antes, treinou ainda equipes de base do Coruripe.
O Projeto Pedra Azul é aberto para meninas a partir dos 10 anos, mas há mulheres mais velhas, que participam só pelo lazer. As aulas de futebol são aos sábados, e nos outros dias são ministradas aulas de futsal. Há também espaço para os meninos. O apoio ainda é pequeno, o Coruripe, que agoratambém tem seu time feminino, tem parceria com o trabalho realizado. Mas com as recentes conquistas das meninas do União Desportiva na seleção, Cristina diz acreditar que o esporte agora tende a alavancar no estado.
- Com investimentos que o atual governo se propôs a fazer [incentivar clubes profissionais masculinos a montarem equipes femininas], aí sim, o estado de Alagoas começa a ser um exemplo no Brasil no futebol feminino. Porque assim como saiu a Marta, temos muitas Martas no interior, na capital, precisando ser descobertas, precisando de apoio. E essa é a minha esperança.
*Estéfane Padilha colaborou.
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