O Clube de Regatas Brasil encerrou a temporada com um bom saldo. É o atual campeão estadual e fez a sua melhor pontuação por pontos corridos na Série B do Campeonato Brasileiro. O rendimento na Segundona pode ser explicado pelas decisões do técnico Mazola Júnior e obviamente com a boa atuação dos jogadores, principalmente do artilheiro Zé Carlos. O treinador regatiano concedeu entrevistas ao Bom Dia Alagoas, da TV Gazeta e à Rádio CBN, e analisou situações sobre o CRB, Série B e o futebol brasileiro.
Aos 50 anos, o treinador acumula experiências internacionais como jogador e técnico, morou 12 anos em Portugal, tendo dupla cidadania. Fez também estágio no Atlético de Madri e acompanhou treinos de José Mourinho na época de Porto. Toda essa experiência tem ajudado Mazola na passagem pelo CRB. Confira alguns trechos da entrevista.
01
ESTILO DURÃO
- Eu costumo absorver muito a responsabilidade, trabalhei demais, lutei muito, estou fora da minha casa desde os 15 anos de idade. Se somar tudo estou há 40 anos dentro do campo de futebol. Como dizem lá em Portugal: "O cara conhece o cheiro do vestiário". Eu assumo muito a responsabilidade de quando estou trabalhando porque eu sei que muita cosia está envolvida e depende de mim. Por causa disso preciso ter outro tipo de comportamento, outra conduta profissional.
Técnico do CRB, Mazola Júnior observa jogo (Foto: Ailton Cruz/ Gazeta de Alagoas)
02
BOM HUMOR?
- É da minha formação, criação. Mas eu sou um cara de dar risadas, sim. Gosto de uma boa piada, de um bom filme, gosto da resenha, tirar um sarro da rapaziada, até porque não sou um cara muito midiático, não gosto muito da badalação, não frequento muitos programas, essas coisas. Talvez possa passar uma imagem totalmente diferente do que eu sou na realidade como ser humano normal, não é a primeira vez que me falam isso. Brinco com minha mulher, meu cachorro, meu filho, faço sacanagem com meus amigos.
03
RELACIONAMENTO TÉCNICO X JOGADOR
- Você tem que saber o grupo que tem. Principalmente individualizar seu relacionamento com seus atletas. Tem alguns atletas que preferem uma conversa individual, têm dificuldades em se abrir em grupo. Muitas vezes o atleta prefere ter um diálogo mais forte com o auxiliar do que com o treinador. E por ter sido atleta, e além de ter o embasamento teórico, eu sei lidar bem com eles. O meu vestiário é sagrado. Tudo que tiver que ser resolvido, porque problemas têm todo dia, costumo dizer que o futebol é uma fábrica de loucos, você mexe com várias situações, e a sua capacidade de raciocínio e decisão tem que ser imediata. Costumo ter um relacionamento muito bom, até comentei com o pessoal do CRB, já treinei mais de 500 atletas, tive problema com cinco só. Foi problema de caráter deles, três deles preguiçosos e vagabundos que não gostavam de treinar. De 500 atletas, você ter problema com cinco é uma boa média para que demonstre o quanto a gente sabe gerir essa situação do boleiro, do atleta profissional, do ser humano e do artista da bola.
04
BRASIL X EUROPA
- Tem uma coisa que eu defendo. Muitos no Brasil dizem que o jogador brasileiro vai para a Europa aprender tática. Isso é uma grande balela, mentira. O jogador brasileiro vai para a Europa aprender a ser profissional do futebol. Lá, em primeiro lugar vem o clube, em segundo lugar vem o clube, em terceiro lugar vem o clube. Depois vem o jogador, o treinador, o presidente, mas só depois de tudo. O que eu mais aprendi na Europa, de todos esses anos que eu trabalhei lá, é o que na realidade é ser profissional do futebol. Tanto como atleta quanto treinador. Só para ter uma noção do que eu estou falando, enquanto eu não me formei no curso de treinador do sindicato de treinadores de Portugal, que hoje é considerado um dos melhores do mundo, eles não me deixavam sentar no banco. Eu dirigia a minha equipe do lado de fora e o auxiliar que fazia o jogo. Só para você ver o nível de seriedade, profissionalismo e lei que tem lá. A profissão de treinador de futebol lá é reconhecida.
05
ATUAL CENÁRIO DO FUTEBOL BRASILEIRO
- O projeto esportivo de futebol no Brasil é falido. Não pode estar legal se a maioria dos clubes está arrebentada. Você não consegue formar mais ninguém. Hoje o clube perdeu espaço para os fundos de investimento, os grandes empresários. Agora estão tentando voltar a investir na base. Estamos pagando o preço e vamos pagar um bom tempo ainda. Tenho a impressão agora com o Profut, dos grandes clubes do Brasil, que eu chamo de nações, um exemplo é o CRB aqui em Alagoas. Estão pensando novamente no clube, em estruturar o clube, fazer a coisa funcionar da maneira correta, digna. Essa mudança na lei que aconteceu só foi bom para os capitalistas, para o clube, porque para o futebol, foi horrível. Tem muita gente que não sabe nada, não entende nada de futebol e está com uma força muito grande no poder de decisão porque investiu, é o investidor, o capitalista.
06
SÉRIE B COMPETITIVA
- Dá para perceber que a Série B voltou a ser fonte de captação para os times da Série A, coisa que há alguns anos era praticamente um refúgio para jogadores que não tinham mais mercados na Série A, porque a coisa foi afunilando, 20 clubes na Série A, 20 na série B, 20 na Série C, praticamente o segundo semestre a coisa filtrou muito e o pessoal foi perdendo espaço. Aqueles atletas maus profissionais foram perdendo saúde, foram perdendo espaço, foram indo para Série C, Série D, onde só tem um jogo por semana. A exigência e o ritmo são outros.
- Tive uma experiência muito interessante ano passado, saí do Paysandu em junho do ano passado e fui dirigir o Bragantino na Série B, e, no primeiro jogo, contra o América-RN, o treinador inclusive era o Oliveira Canindé, comentei com meu auxiliar: "Dá uma olhada na diferença de ritmo da velocidade do jogo e da bola da Série C para a Série B". E eu constatei tudo isso que eu estava pensando neste ano na Série B: o jogo está muito corrido, muito físico, a velocidade da bola é impressionante, até porque a qualidade dos campos melhorou muito. Achei um campeonato muito interessante. E agora com o reforço de investimento que vai ser feito no próximo ano para as equipes pequenas, vamos dizer assim, que não vieram da Série A, a tendência é que o nível técnico do campeonato melhore ainda mais.
07
RODÍZIO FORÇADO NO CRB
- Eu não sou adepto do rodízio, não sou muito a favor. Só que aqui nós fomos obrigados a fazer o rodízio. Porque nós tínhamos uma média de idade muito alta. No primeiro jogo que dirigi o CRB entramos em campo com uma média de idade de 31 anos, sendo que a maioria dos times tem na Série B uma média de 25 anos, no máximo 27 anos. Até o final do primeiro turno tivemos problemas seríssimos de logística. Fomos jogar em São Luis do Maranhão, viajamos na véspera 14 horas, para chegar lá e jogar à noite numa terça-feira, sendo que tivemos jogo no sábado conta o Náutico aqui em Maceió. Foram várias situações. O CRB até o momento não tem fisiologista, que hoje você consegue mensurar bem o desgaste do atleta ou não. A gota d'água foi quando trouxemos um fisiologista, foi feita a coleta de sangue e urina para ver a parte de desidratação, e ali foi constatado que nosso time tinha um desgaste muito grande 48 horas após a partida. Vários jogadores se apresentaram com uma taxa de CK muito alta, e desidratados. Começamos a perceber que nosso time jogava no sábado, quando era na terça-feira o time caía demais de rendimento. Começamos a ter uma lesão atrás da outra. quando o jogo passava a ser terça e sábado, teve uma sequência louca no final do primeiro turno, oito jogos em um espaço de pouco mais de 20 dias. A gota d'água foi no jogo contra o Ceará. Atuamos contra o Bahia na sexta-feira, jogo extremamente desgastante, perdíamos por 2 a 0, empatamos, eles fizeram o 3 a 2 no final do jogo. E na terça viemos jogar com o Ceará. Nós tivemos um rendimento pífio contra o Ceará, independentemente dos erros individuais e da expulsão do Ricardinho no início do segundo tempo, nosso time foi muito mal no aspecto físico.
CRB x Ceará no Rei Pelé: a gota d'água para Mazola (Foto: Ailton Cruz/Gazeta de Alagoas)
- E aí eu conversei com a diretoria e assumi a responsabilidade que, a partir dali, quando nós jogássemos sábado e terça, ia rodar, até porque todos os jogadores do nosso plantel, vamos pôr dois por posição, estavam praticamente no mesmo nível, com exceção do Zé Carlos. Os três goleiros jogaram e não mudou nada. Lateral-direito acho que jogaram uns dez, de tanta zebra que deu. A dupla de zaga tanto um quanto outro mantinha-se no mesmo nível. Lateral-esquerdo também, quando o Pery não jogou. Volantes idem. Na frente tivemos um grande azar que foram as lesões simultâneas do Zé Carlos e do Isaac, daí tivemos que optar pelo Daniel Cruz e achamos que foi uma responsabilidade muito grande para ele em um campeonato que ele nunca tinha vivido. Foi o grande problema que tivemos. Optamos por rodízio, mas graças a Deus fomos felizes, acertamos em cheio, porque se não tivesse dado certo hoje eu não seria o treinador do CRB de certeza. Foi uma somatória de situações que tomamos as decisões, até porque o campo estava mostrando isso. Por felicidade da nação regatiana, as coisas deram certo e nós fizemos um campeonato muito bom.
08
RENOVAÇÕES FRACASSADAS
- Seria interessante manter pelo menos a base, aqueles atletas que foram titulares na maioria dos jogos. Mas temos que ter os pés no chão, e o torcedor regatiano precisa entender que existe uma diferença orçamentária muito grande da Série B para o começo do ano aqui com o Campeonato Alagoano e a Copa do Nordeste. Numa diretoria, encabeçada pelo presidente Marcos Barbosa, muito séria, honesta, que está num processo de reestruturação e ressurgimento de um grande clube, temos que entender. E temos que entender o jogador também, porque ele tem uma carreira com prazo de validade curto. E quando ele faz um campeonato bom, como a maioria dos atletas do CRB fez, ele quer uma valorização profissional. E quando não acontece vai tomar o caminho da vida dele, e o clube vai seguir dentro da sua rigidez orçamentária porque o CRB precisa e ainda tem um caminho muito longo para se reestruturar definitivamente. Temos que respeitar essas situações.
09
MAXWELL E A BASE
- Convivência, dia a dia, trabalho diário com o garoto. Trabalho de base ainda é precário. Tem um treinador muito bom na base, profissionais muito bons, mas a condição de trabalho ainda não é ideal. Sabemos da dificuldade do clube estar nesta situação. Vamos ver agora com o CT novo se vai haver realmente investimento. Nós sabemos que ele é um garoto talentoso, agora precisava de trabalho. A Série B é totalmente diferente de um Campeonato Alagoano e uma Copa do Nordeste. Foi feito trabalho de musculação para o garoto ganhar força, físico, porque a competição é muito física. Mas talento ele tem e provou. Assim como ele, pegamos aqueles outros cinco atletas da base que sabíamos que tinham demonstrado um pouco mais de talento, e estamos fazendo o trabalho que tem que ser feito com eles, mesmo sendo tardio, estamos fazendo um trabalho muito bom e sério com eles e esperamos colher frutos disso. A princípio vão fazer a pré-temporada conosco. A tendência é que possam fazer parte do plantel do ano todo do CRB.
Revelação do CRB, Maxwell sai do chão para dominar a bola (Foto: Ailton Cruz/ Gazeta de Alagoas)
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AFASTAMENTO DE ZÉ CARLOS
- O que chegou a mim é que era uma determinação do presidente e o Zé Carlos estava fora do jogo. Eles tiveram um problema lá, uma situação que foi colocada. Você tem que respeitar a hierarquia que existe no clube. Costumo falar que o barbudinho gosta de mim. O Daniel entrou e fez dois gols e ganhamos o jogo. Deixa na mão de Deus.
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CT NINHO DO GALO
- Usei uma frase que vai explicar tudo: o maior título da história do clube vai ser a inauguração do Centro de Treinamento.
Jardins da entrada do CT do CRB (Foto: Denison Roma / GloboEsporte.com)
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MALA BRANCA
- [Teve contato] Com a mala branca? Pô, muito. Nesta situação não podemos ser hipócritas e vender ilusões que isso não existe. Lógico que existe. Sempre existiu. Quem falar que não existe é mentiroso, é hipócrita. Ou então não trabalha com futebol profissional.
NM com globoesporte.com/al
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