Conquistas, paixão, espetáculos, exemplos inspiradores, dinheiro, sonhos. Tudo isso é parte ao mundo dos esportes, seja para quem pratica quanto para quem assiste. Uma cultura poderosa, que tem capacidade de mudar vidas e realidades. Mas para quem isso tudo é feito hoje? Homens. Mulheres não são permitidas neste esporte clube.
Quando pensamos em esporte feminino, o que há? Dificuldades financeiras, falta de incentivo, assédio, repressão, medo, exclusão, preconceito. Falta tudo para o esporte feminino, mas falta acima de tudo espaço.
Espaço na vida das mulheres
Não sobra tempo na rotina das mulheres para a atividade física. Estamos atoladas em obrigações e afazeres, presas aos papéis que nos foram assignados e que fomos abraçando, confundindo-os com liberdade. Hoje, 38% dos lares brasileiros são comandados financeiramente por mulheres. Mas cuidar dos filhos e da casa não deixou de ser nossa obrigação. De acordo com o IBGE, mulheres gastam semanalmente 25 horas nos cuidados com a casa, enquanto os homens gastam apenas 9. Claro que para os homens sobra mais tempo para ir ao estádio, para encontrar amigos para uma pelada, para dar aquele rolê de skate ou de bike para espairecer. Assim fica mais fácil.
Espaço na mídia
Quer ler sobre esporte de mulher? Quer saber quem ganhou o campeonato feminino? Quer conhecer as jogadoras do seu esporte favorito? Vai ter que gastar um tempo procurando este tipo de informação. Pequenos blogs e projetos independentes são o canal que mais valoriza as mulheres no esporte. A grande mídia esportiva, feita por homens, para homens e sobre homens, diminui ou ignora as conquistas e movimentações do esporte feminino. Uma pesquisa acadêmica realizada em 2014 na Unisinos (RS) levantou o número de artigos esportivos publicados em um periódico e chegou a uma triste estatística: 97,3% da cobertura é destinada aos homens, enquanto apenas 2,7% fala sobre esportes femininos. Este número fica ainda mais triste se pensarmos que são contabilizadas matérias em que a notícia são as curvas das atletas, o bumbum mais bonito, o namoro que não deu certo. Quem se importa em falar de suas conquistas?
Espaço físico
Existe uma barreira física/geográfica para a prática de esporte por mulheres. Correr nas ruas é correr perigo. Para Lígia Paes de Barros, que treina corrida nas ruas de São Paulo, o assédio limita as práticas das mulheres: “Há lugares como parques ou ruas escuras que me dão medo, nem chego a cogitar. E às vezes estou correndo e mudo o trajeto por causa do assédio.”
Pedalar também se torna um desafio por causa do assédio. Segundo a ONG Vá de Bike, o assédio sexual é uma das principais causas para a desistência feminina no esporte. O medo de sair às ruas e ter seu espaço e seu corpo invadido é maior do que o medo de ser atropelada (!). Se falamos de esporte coletivos, então, não nos resta muito. As quadras públicas são sempre território dos homens. A nós nos resta a arquibancada.
Na liga profissional
No esporte profissional, ainda não chegamos sequer no banco de reserva. É baixo o investimento se comparado ao esporte masculino. No futebol esta distância é ainda mais gritante. Neste ano, a equipe feminina do Ferroviária, de Araraquara, levou a taça da Libertadores da América, mesmo tendo um investimento de apenas 10% do time masculino do mesmo clube. E o prêmio que elas levaram para casa é apenas 1% do campeão masculino: enquanto elas faturaram US$ 20 mil, o River Plate, campeão da categoria masculina embolsou US$ 5,3 milhões.
E não falta só dinheiro. Falta condições básicas para treinos e competições. Instalações precárias, falta de luz, comida escassa, problemas com transporte, campeonatos de curta duração e com ritmo acelerado e horários de jogo pouco comerciais, com o sol a pino. Elas desmaiam de calor, elas ficam sem dormir, jogam todos os dias, chegam em cima da hora pra partida. Cadê o respeito por estas profissionais?
O sexismo rouba todo o nosso espaço quando o dinheiro entra na jogada. O esporte profissional é comandado por homens. A quem interessaria desenvolver as ligas femininas, então?
Além disso, a falta de protagonismo das atletas dificulta que exemplos inspiradores sejam destacados e possam influenciar as novas gerações de meninas. Fica difícil despertar o interesse do público e trazer investimentos. Mas será que ninguém entendeu ainda o potencial lucrativo das atletas profissionais? Está mais do que na hora de fomentar este mercado. Leva tempo, mas o êxito é garantido.
Nas políticas públicas
Está claro que é preciso fomentar o esporte feminino por meio de políticas públicas. O combate ao sexismo e o estímulo à prática podem ser potencializados com campanhas de educação. O Ministério dos Esportes e o Comitê Olímpico Internacional fizeram um pacto para o combate ao preconceito contra a mulher durante os jogos de 2016, no Rio de Janeiro. A ONU Mulheres também incluiu em seus projetos para o ano que vem a campanha “Uma vitória leva à outra”, para debater as questões de gênero no esporte. Ainda há muito o que construir e é necessário muito trabalho. Mas quando priorizarmos este tema, vamos conseguir mudar a realidade.
Abram espaço para meninas e mulheres. Abram espaço para o esporte feminino acontecer e mostrar seu potencial transformador na sociedade e no mundo. Já passa a hora. E para aqueles que insistirem em nos limitar, um recado: saiam do nosso caminho. Ou serão atropelados pelos novos tempos.
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