A 2ª rodada da Série A do Campeonato Brasileiro, que terminou no domingo (22), foi novamente marcada por questionamentos em relação à arbitragem. Entre os principais, estão o gol mal anulado do Internacional, que determinou a derrota da equipe no jogo contra o Palmeiras, e os acréscimos da partida entre Fluminense e Cruzeiro, considerados desproporcionais.
A adoção de novas tecnologias no esporte, como a do árbitro assistente de vídeo, quer reduzir a ocorrência de erros humanos no futebol. Para a edição de 2018, no entanto, a maioria dos clubes da primeira divisão foi contrária à medida, alegando custos elevados de implementação.
Enquanto ferramentas auxiliares não se consolidam, falhas em lances polêmicos e interpretativos seguem pesando na conta dos árbitros brasileiros. A urgência por melhor capacitação de juízes e o estigma que envolve a profissão servem de argumento para que se questione as condições atuais de trabalho da categoria.
A arbitragem de futebol é reconhecida legalmente como profissão no país desde outubro de 2013. Apesar disso, árbitros nacionais não atuam em regime profissional, como acontece em países como Portugal, Espanha ou Inglaterra, por exemplo, que oferecem salários mensais e bonificações.
Na prática, suas regras de trabalho são definidas pela Lei nº 9.615, conhecida como Lei Pelé. Tal lei define os árbitros como trabalhadores autônomos, ou seja, sem vínculos empregatícios formais com federações estaduais ou a CBF (Confederação Brasileira de Futebol), por exemplo. Sem terem remuneração fixa, os árbitros são escalados para cada partida por sorteio, sendo pagos conforme o número de jogos que apitam.
Os ganhos por partida dependem diretamente do “nível” do juiz. Um árbitro vinculado à Fifa recebe cerca de R$ 4.000 por jogo. Árbitros da CBF, por sua vez, faturam R$ 2.900 por partida trabalhada na Série A. A quantia é proporcionalmente menor para campeonatos de menos expressão e os assistentes recebem cerca de 60% do valor dado aos árbitros.
592 É o número de árbitros e assistentes registrados na CBF
Caso não sejam sorteados, juízes podem passar até algumas semanas sem apitar. O mesmo vale para períodos que campeonatos entram em recesso, como acontece em anos de Copa do Mundo, por exemplo.
Por conta desse funcionamento, entidades administrativas não precisam manter responsabilidades trabalhistas ou previdenciárias. Embora existam casos de árbitros que se dediquem apenas ao trabalho dentro das quatro linhas, a maioria segue conciliando à dedicação ao esporte com outras atividades profissionais. Isso, segundo a categoria, seria um dos fatores que limitam o potencial de árbitros e tornam desproporcional a cobrança por rendimento.
“No Brasil, duas coisas são fundamentais, profissionalização e fim do sorteio. Melhoraria muito. Não estou falando só em relação a salários, mas em ter um tempo integral para o árbitro se preparar melhor para essa função, que é extremamente difícil”, disse Carlos Eugênio Simon, árbitro que apitou em três Copas do Mundo e atual comentarista de arbitragem, em entrevista recente ao jornal Lance!.
“O juiz é uma figura amadora, solitária, que deve ir atrás de treinamentos e recuperação, tudo por conta própria. Debates sobre técnicas de arbitragem e preparação física são importantes, além de conversas com psicólogos”, completa.
Como alguém se torna árbitro de futebol
Para a grande maioria dos juízes, a profissão costuma funcionar como uma espécie de complemento de renda. Após realizarem um curso de capacitação que dura, em média, um ano, árbitros podem pleitear uma vaga nas federações.
Cursos desse tipo são oferecidos por sindicatos de árbitros ou pelas próprias federações, o que varia de estado para estado. Se aprovados em testes teóricos, psicológicos e de aptidão física, os juízes ficam à disposição da federação a que pertencem. Para fazerem parte do quadro nacional (da CBF) e pleitearem vagas como árbitros-Fifa, devem ser indicados pelas federações.
“Não se discute a profissionalização, o que se discute é o vínculo empregatício. Querem mandar na arbitragem mas não querem vínculos porque gera custos. O ideal seria ter uma garantia mínima.”
Marco Antônio Martins, presidente da Anaf
A grande visibilidade do trabalho dos juízes prevê cobranças na mesma proporção. De acordo com o Código Brasileiro de Justiça Desportiva, árbitros podem ser suspensos ou até multados por não seguirem as regras oficiais do esporte, omitirem-se em situação de indisciplina entre atletas, ou não comunicar ocorrências nas súmulas ao fim da partida, por exemplo.
“A CBF precisa de cerca de 40 árbitros para o [Campeonato] Brasileiro, que precisam estar o tempo todo em treinamento. Se um deles comete um erro no final de semana, não adianta que volte para casa e fique 15 dias fora da escala. Isso vai melhorar em que a situação dele? Um árbitro já sabe depois do jogo que errou e que vai ficar fora. Qual a motivação dele para treinar?”, disse Marco Antônio Martins, presidente da Anaf (Associação Nacional de Árbitros de Futebol), em entrevista ao Nexo.
Entraves para a profissionalização
Em 2016, o então presidente da Comissão de Arbitragem da CBF Sérgio Corrêa da Silva estimou os custos anuais para a profissionalização dos serviços de arbitragem brasileiros em R$ 60 milhões. O aspecto logístico também foi apontado como entrave para o regime de dedicação exclusiva dos árbitros.
“Nós teremos uma cidade chamada ‘Arbitrolândia’, onde todos estariam reunidos para fazer os trabalhos? Como seria a legislação, o tempo de serviço, contribuição previdenciária? Então, não é tão simples como as pessoas colocam. Que iria melhorar, isso sem dúvida”, declarou, durante entrevista sobre o tema.
Sucessor de Sérgio Corrêa à frente da Comissão de Arbitragem, o coronel Marcos Marinho já declarou não acreditar em profissionalização da arbitragem a curto ou médio prazo. De acordo com o atual presidente, a mudança esbarra na atual lei trabalhista brasileira, que dificulta a regularização do trabalho dos árbitros.
“Justificar com questões logísticas e custos é não querer”, disse ao Nexo Sálvio Espínola, ex-árbitro e atual comentarista de arbitragem dos canais ESPN. “O árbitro faz um esforço sobrehumano para apitar jogo e não tem segurança financeira nem jurídica. A discussão é qual vai ser a dedicação [do árbitro]. Não dá para ele ficar no trabalho o dia inteiro e depois pegar a mala e ir apitar um jogo. Eu entrei no futebol na década de 1990 e já era assim. Hoje, é algo ultrapassado.
” Para Espínola, a profissionalização permitiria a maior padronização de critérios, uma das principais cobranças atuais em relação à arbitragem. “Tem que dar e cobrar. O problema é que hoje cobra e não dá”, conclui.
ESTAVA ERRADO: A primeira versão deste texto informava que o erro de arbitragem no jogo entre Palmeiras e Internacional aconteceu no gol que deu a vitória à equipe paulista. Na verdade, a decisão questionada envolve um lance de gol do Internacional que empataria a partida. A informação foi alterada às 12h54 de 25 de abril de 2018.
NM com o Jornal NEXO
Link para matéria: https://www.nexojornal.com.br/expresso/2018/04/24/Por-que-a-arbitragem-de-futebol-do-Brasil-n%C3%A3o-%C3%A9-profissional
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