Por: Emilia Sosa e Vitória Soares
Com início agendado para o último sábado (21), as edições do Campeonato Brasileiro Feminino das divisões A2 e A3 não começaram. O calendário de competições deste ano, que previa o início para o mês de maio, foi divulgado ainda em 2021 pela Confederação Brasileira de Futebol (CBF), que, apenas na semana passada, se manifestou oficialmente alegando o adiamento das competições por questões de planejamento.
Ainda com data incerta, representantes de clubes das duas divisões alegam impacto no planejamento e sensação de insegurança em relação aos próximos passos.
Em evolução
O grande salto no futebol feminino no mundo aconteceu em 2019, com a Copa do Mundo de Futebol Feminino da França. Tanto os números de audiência como a presença da torcida nos estádios, mostraram uma mudança no panorama da modalidade no mundo.
No Brasil, em 2020 e 2021, o futebol feminino passou por mudanças que geraram expectativa em uma crescente permanente da modalidade, com a chegada de patrocinadores, maior visibilidade e atingiu recordes de audiência.
Em 2021, a CBF divulgou a criação de duas novas competições no futebol feminino profissional, o Brasileirão Feminino A3 e a Supercopa do Brasil. No anúncio da novidade, a Confederação destacou um formato mais democrático e o aumento do número de participantes das competições, que subiu de 52 para 64.
As notícias para 2022 eram as mais animadoras possíveis. No calendário das competições, foi divulgado que os torneios de base passariam por uma reformulação, o Brasileirão Feminino sub-16 passou para sub-17 e o sub-18 para sub-20, com o objetivo de abranger atletas mais jovens. Também no planejamento divulgado pela CBF o Brasileirão Feminino A2 e A3 deveriam iniciar na mesma data, em 21 de maio. No entanto, não foi o que aconteceu.
Mudanças na CBF
Já no começo de 2022, a situação começou a se desenhar de forma inesperada com a demissão da Coordenadora das Seleções, Duda Luizelli, sem um motivo explícito. Nesta situação, o departamento de futebol feminino passou por uma reformulação com Aline Pellegrino assumindo a Coordenação das Seleções e de Competições.
Depois disso, a entidade anunciou uma nova estrutura com a chegada de Ana Lorena Marche e Amauri Nascimento, que assumiram as Supervisões das Seleções Brasileira e das Competições, respectivamente. Na escala hierárquica, com o novo formato que unifica o departamento, Pellegrino coordena a supervisão dos novos integrantes.
Nesse sentido, o início do ano parecia seguir com novidades e expectativas de continuidade no crescimento da modalidade. O Grupo Globo anunciou o contrato de transmissão da Supercopa Feminina e do Brasileirão Feminino A1. A primeira competição do ano teve jogos transmitidos na TV Globo e o Campeonato Nacional tem as partidas transmitidas no SporTV. Porém, nem tudo aconteceu como o esperado e assegurado pela CBF.
O ano das incertezas
Antes mesmo de começar o Brasileirão Feminino A1, repercutiu na internet uma série de desconfortos em relação à falta de transparência da CBF com a divulgação das informações básicas da competição. A tabela oficial foi divulgada 14 dias antes do início do Campeonato e, com isso, um grupo de torcedoras se mobilizou para montar uma tabela simplificada com as informações divulgadas pelos clubes.
Além disso, a transmissão dos jogos foi um dos maiores pontos de descontentamento da torcida, já que no início da competição, a entidade não renovou o contrato com a Eleven Sports, que exibiu as competições em 2020 e 2021. Com isso, os jogos que não eram transmitidos pelo SporTV e pela Band, ficaram de responsabilidade dos clubes mandantes até a 7ª rodada, quando a CBF renovou a parceria com a plataforma de streaming, até 2024, mas, sem abranger as competições de base.
Diante dessa realidade, no Brasileirão Feminino sub-17, que ficou de fora da grade de transmissões, destacou-se um personagem. Vilson Mayrink, pai da goleira Nanda, que integra a base do São Paulo, transmitiu todos os jogos que pôde da primeira fase no seu instragram pessoal, já que nem a entidade e nem os clubes organizaram transmissões próprias da competição.
Com este cenário de possível retrocesso no desenvolvimento da modalidade no Brasil, o novo presidente da CBF, Ednaldo Rodrigues, citou em entrevista à Revista VEJA, planos de investimento para o futebol feminino com a economia por outras frentes, como a venda do avião e do helicóptero da entidade.
No entanto, até o momento, o sentimento da torcida e de alguns profissionais é de que foram dados passos para trás. Com o atraso no início do Brasileirão A2 e A3, os 16 clubes da segunda divisão e os 32 da terceira, enfrentam dificuldades para fazer uma reformulação no planejamento anual.
Impacto nos clubes
Para a equipe ABC/União de Natal/RN, que disputará o Brasileirão A3, o planejamento começou em oito de março, no Dia Internacional da Mulher. Esta data simbólica foi marcada por um passo importante no futebol feminino do Rio Grande do Norte. Isso porque, o ABC, um dos maiores clubes do estado, firmou uma parceria com a tradicional Sociedade Esportiva União.
O clube é o atual campeão potiguar e que tem 39 anos de história no futebol feminino local. Com a junção dos dois clubes, o ABC União vai representar o estado na terceira divisão do Brasileiro Feminino. A equipe já havia iniciado a preparação para o Campeonato, no entanto, os dias foram passando, e não chegava nenhuma informação da CBF sobre os adversários, tabela e formato do torneio.
Walessa Silva, técnica do ABC União, relata que o planejamento da equipe foi feito acreditando que as datas divulgadas no calendário de competições femininas da CBF fossem cumpridas. “Para nós está bem complicado, pois trabalhamos com planejamento e acreditamos que jamais a CBF chegaria a baixar o nível a ponto de, até o dia de hoje (20 de maio), sequer ter dado uma previsão de absolutamente nada.”
A técnica ainda destaca como essa indefinição da entidade que comanda o futebol prejudica não só o que foi planejado pelo clube financeiramente, mas também o compromisso com as jogadoras.
“Fica a sensação de amadorismo, quando na verdade nós buscamos a todo instante sermos profissionais. Diferente da CBF, nós queremos cumprir com as nossas atletas aquilo que foi proposto dentro do contrato. Agora, os custos serão bem maiores e quem vai pagar a conta por essa situação lastimável da falta de compromisso e atenção da CBF com o calendário?”
A presidente do ABC União, Ana Carolina demonstrou outra preocupação em relação à indefinição da Série A3, que vai além do prejuízo financeiro. “Outra questão difícil para nós é depois disso tudo, a gente ser pega de surpresa com a notícia de que o campeonato será a critério de “mata-mata”. É só o que falta para o golpe final!.”
De acordo com Walessa, sem o auxílio financeiro que a CBF destinou para os clubes durante os momentos mais críticos da pandemia, ficou ainda mais difícil garantir a estabilidade da equipe nessa fase de replanejamento. A expectativa era que a entidade enviasse aos clubes algum recurso, principalmente por ser um ano de Copa do Mundo, mas até agora, não foram anunciadas nenhuma ação da entidade em relação a suporte financeiro.
Ainda para a treinadora do time potiguar, essa falta de comunicação da CBF com os clubes que vão disputar as competições organizadas pela entidade, traz o sentimento de que todo o crescimento que o futebol feminino teve nos últimos anos, está sendo perdido.
“Até agora, nenhum contato (da CBF) com a gente de forma direta e isso sem dúvidas gera dúvidas e preocupação, pois, estamos acreditando que o futebol feminino do país está em decadência quando estávamos em processo de avanço. A sensação é de impotência e tristeza.”
Enquanto a CBF ainda define a organização das Séries A2 e A3, o time da capital potiguar mantém toda a preparação que foi planejada. No entanto, a equipe não tem certeza de até quando vai conseguir sustentar a falta de respostas por parte da entidade. “A preparação está sendo mantida, pois, planejamos e estamos buscando de todas as formas cumprir nossos deveres. Não sabemos até quando, pois, com essa situação a gente está vendo que falta credibilidade e respeito aos clubes. Esse atraso, infelizmente, veio para prejudicar de forma direta todo o planejamento”, diz Walessa Silva.
“Resta aguardar”
Essas incertezas também preocupam os clubes que vão disputar a Série A2. Como é o caso do Botafogo-PB. O time da capital paraibana conquistou a vaga para a segunda divisão do Brasileiro Feminino após chegar às oitavas de final da A2 do ano passado, quando acabou caindo para o Ceará, ficando em 13º lugar da classificação geral do campeonato.
A técnica do Botafogo-PB, Gleide Costa, entende que esse atraso na divulgação da tabela e regulamento da A2 é causado pela troca no comando da CBF e que os clubes infelizmente não tem muito o que fazer, a não ser esperar. “O momento é delicado e de transição na CBF, a gente sabe que a mudança de presidente, muda todo um contexto, de opinião e de visão. O que nos resta é aguardar.” A comandante do Botafogo-PB ainda disse que na semana passada, a CBF enviou um ofício à Federação Paraibana de Futebol que repassou aos seus filiados, comunicando que estavam sendo repensado datas, formato e outros detalhes da competição.
Apesar de entender o momento de mudanças na CBF, Gleide destaca que as indefinições atrapalham o planejamento não só da equipe paraibana, mas de todos os outros clubes. “A gente não vai omitir sobre o que isso prejudica. Todo mundo sabe que atrapalha o planejamento de qualquer coisa que você desorganiza na reta final.”
Um exemplo de como o adiamento do começo do campeonato afetou o planejamento do Botafogo-PB foi a participação do clube no Brasileiro Feminino Sub-20. Em entrevista à rádio CBN João Pessoa, Gleide relatou que a equipe foi convidada para o torneio de base, um pouco em cima da hora, devido a desistência de outro time.
Com a proximidade de datas do Brasileiro Sub-20 com a A2, foi preciso mudar a preparação do grupo que estava focado para a disputa da segunda divisão. Para não deixar de competir no torneio de base, o Botafogo-PB fechou uma parceria com a equipe do Mixto-PB, em que cada time cedeu metade de suas atletas e dos integrantes da comissão técnica para fechar o elenco. No Sub-20, a equipe paraibana acabou não passando da primeira fase.
Gleide tem a expectativa que nos próximos dias a CBF envie às federações e aos clubes as informações sobre a disputa da A2, para que o clube possa refazer a preparação. “A gente crê que na próxima semana venha esse novo comunicado da CBF nos dizendo a data, para reorganizarmos o nosso planejamento.”
CBF alega fase de replanejamento
Questionada pela reportagem, a assessoria da CBF ressaltou a informação divulgada na semana anterior à publicação desta matéria:
“A CBF adiou o início de algumas competições previstas nos calendários da base e do feminino, visto que a Diretoria de Competições está reavaliando as mesmas quanto ao seu período de realização e formato, bem como revisando os custos anteriormente orçados. Os clubes participantes de cada campeonato estão sendo monitorados pela CBF a respeito do tema”.
Fotos: Divulgação